domingo, 6 de fevereiro de 2011

Sementes da sorte


O corpo pede água, luz, ventilação. Entro por uma porta estreita que me leva a um longo corredor. Parece um beco escuro. Ao final dele, um balcão velho de madeira serve como bar. Um senhor sentado, ajeita as cartelas, pede uma coca de 250 ml, ou seria 200 ml? Não me lembro. As pessoas entram e saem constantemente.

O corredor, enfim dá em um grande e amplo salão, repleto de cadeiras e mesas plásticas. Olho ao redor, senhoras comuns, de cinquenta a setenta anos se acomodando nos devidos lugares. Senhores também participam. Claro, elas são em maioria. Sempre. Escolho uma mesa, e ao meu lado uma nobre senhorinha sorri. Cabelos grisalhos, um par de óculos novo por sinal, uma blusa de linha vermelha acompanhado de um batom da mesma cor. Vaidosa eu diria. Peço permissão para me sentar ao lado e ela sorri novamente. É um sim, creio.

São 13h50min de uma tarde de sábado. O calor chega a ser desesperador. Pequenos e escassos ventiladores tentam refrigerar o local, mas sem sucesso. As pessoas se dirigem ao centro do palco e escolhem as cartelas. Cada uma com sua intuição, gosto, mania. Dezenas de pequenos potes com grãos, à beira do palco, servem como marcação dos números que saem no sorteio.

Dirijo-me até lá e escolho minhas cartelas aleatoriamente. Pego meu pote de grãos, me sento e começo a observá-los. Grãos do que? São redondinhos, achatados nas extremidades. Não é feijão, lentilha, milho, nada do tipo. Ainda vou descobrir. Volto a minha mesa, e a nobre senhorinha continua lá, Sentada, sorrindo, desta vez, conversando com as amigas. Elas falam do clima, do calor, da chuva de granizo da semana passada que destelhou várias casas e deixou moradores desabrigados. O mundo está de ponta cabeça, afirma uma delas.

O relógio bate, e são pontualmente duas horas da tarde. O jogo começa. Ao centro, um homem viril, com cerca de trinta anos de idade canta as bolas sorteadas. O ambiente é tomado pelo silêncio. Nada se ouve, a não ser o barulho dos ventiladores velhos de parede, e a voz do homem sentado no palco. Não se pode perder nenhuma bola sequer.

O jogo funciona com a primeira rodada gratuita. Estimula os participantes a jogar as posteriores. O prêmio final é de duzentos reais, premiando linhas por três vezes. Concentrados, os jogadores se empolgam a cada número sorteado. Linha, uma, duas, três vezes. Vai sair o bingo. Imagina levar uma bolada dessas? Pergunta a nobre senhorinha para mim. Dá uma boa ajuda, né? Eu sorrio e concordo com a cabeça. No fundo do salão, ouve-se o grito: Bingo! Sai o primeiro prêmio do dia.

A rotina dessas pessoas se resume a isso. Todos os dias. A nobre senhorinha de nome Marlene, passa as tardes no bingo jogando e apostando com suas amigas e amigos. As emoções das jogadas, a ansiedade dos números para bater a cartela.
Às 18 horas o bingo se finda, os jogadores saem, devolvem ao palco as cartelas. Os potes de grãos nos devidos lugares. Elas se despedem. Eles também.
Dona Marlene não levou nenhum prêmio nesta tarde. Sai cabisbaixa, lamentando por não ter ganhado nada. Balbucia e resmunga baixinho, e sai falando as paredes. Ela ficou três vezes por um número.

No dia seguinte, começa tudo outra vez. Às 14 horas, na porta estreita, no beco escuro. Cadeiras de plásticos, senhoras e senhores. Ventiladores velhos, cartelas usadas. Ah, e grãos, ou melhor, sementes de tremoços.
Crédito da imagem: http://emanoelviana.blogspot.com