Minha família sempre teve uma criação muito rígida e as
meninas precisavam aprender desde pequena a ser uma boa dona de casa. Fui
criada em um sítio, nos arredores de uma cidadezinha do interior paranaense. Mamãe
me fazia acordar muito cedo, lavar o terraço de casa, pendurar as roupas no
extenso varal do quintal e claro, engraxar os sapatos do meu pai. Ah, mas eu
odiava moer café! Cansava meus braços e doía as costas ao debruçar sobre a mesa
rebaixada da varanda. Mas eu não podia desistir até completar os quatro
potinhos brancos, ligeiramente amarronzados pela cor natural do grão.
Casei-me com vinte e um anos de idade. Cuidar de uma casa foi
fácil demais depois de ter aprendido tudo com minha mãe. Engravidei aos vinte e
dois e aí sim as coisas começaram a mudar. No começo, tive alguns enjoos
naturais de início de gestação, e nos meses posteriores ganhei peso de forma ligeira
e descontrolada. Os ossos ficavam doloridos, os pés pareciam de uma elefanta e
a aliança de casamento nem saía mais do dedo anelar. Mas a sensação que eu
sentia era indescritível. Ah, eu carregava meu amado filho, um bebê primoroso
que estava prestes a nascer.
Ele conheceu o mundo em 30 de junho de 1989. Um meninão lindo! Pesava quatro quilos e trezentos gramas, media cinquenta e um centímetros. Meu
filho não poderia ser mais perfeito. Traçou um berro, daqueles de arrancar o
maior sorriso que meus lábios já acolheram. Enrugadinho, com os olhos
grudados, aproximou-se de mim e o silêncio reinou na sala de parto. Ele havia
encontrado a mãe.
Felipe cresceu puro e eletrizante. Teve uma infância
abençoada, ditoso em ter uma família como a nossa. O pai tinha ao alcance tudo
que achava necessário. E deu o mesmo ao filho.
_ É hora de ir pra
aula, Felipe! - avisei naquela manhã de segunda-feira.
_ Ah, mãeeeeeeeeee, quero dormir! - pediu Felipe,
graciosamente.
_ Vamos menino, levante daí, como você quer passar no
vestibular? - indaguei.
Felipe estava com 17 anos de idade e no último ano do
colegial. Contrariado, ele escovou os dentes, penteou o cabelo, colocou o
uniforme azul e branco, enquanto eu preparava seu café. Esquentei o leite e o
pão, passei a margarina por cima, pois ele gostava assim, derretendo.
Após algumas tentativas, Felipe passou no vestibular de
direito na melhor faculdade do estado. Lembro-me bem do dia em que saiu o
resultado. Ele gritava de alegria, e pulava forçosamente em meu pescoço. A mim,
só restavam lágrimas de alegria por essa grande conquista. Ele foi morar fora,
em uma república, isso há cerca de quatro anos.
Lipe vem me visitar nas férias da faculdade. Vejo o meu
filhão duas vezes por ano. Nunca imaginei que uma das épocas mais esperadas
fosse em meados do castigante inverno. Não posso mais carregá-lo em meus
braços, pois hoje ele pesa mais que meu próprio corpo. Não posso mais guiá-lo
pelas mãos, pois suas pernas já exercem essa função. Não posso mais fazer as
escolhas por ele, pois o tempo passa e os filhos crescem. Ah, eles crescem, mas
para nós nunca deixam de ser crianças. Contenho-me por várias vezes ao vê-lo
posto em minha frente. Felipe já é um homem e não posso mimá-lo como fazia
quando era criança.
Na solidão deste quarto, deitada em sua cama, observo o quarto
intacto. A mesma fronha, escrivaninha velha, e um guarda-roupa com algumas
surpresas para o dia que ele vier. A televisão para torcer pelo time de coração,
os chinelos velhos e confortáveis. Filho, mamãe está longe, mas a dor da
saudade não tem medida. Seu cantinho estará sempre aqui, mesmo quando não
voltar.