sábado, 26 de novembro de 2011

Por uma segunda chance


Eles se reúnem toda quarta-feira, no mesmo horário e endereço. Na Rua Mato Grosso, centro de Londrina, a Paróquia dos Sagrados Corações recebe uma vez por semana pessoas de várias regiões da cidade. O público é misto, desde homens mais velhos, pais de família, jovens adolescentes, mulheres de vinte a cinquenta anos de idade. São pessoas distintas, mas com um mesmo objetivo.

Ao chegar, sou recebida pela orientadora do grupo. É uma jovem senhora de aparência muito agradável e sorriso convidativo. Ela me dá as boas-vindas e pede para que eu me sinta à vontade. Eu me apresento e digo que estou ali por uma reportagem. Ela me concede a permissão, desde que eu preserve a identidade dos participantes, se assim desejarem.

Ao entrar na sala destinada à reunião, poucas pessoas estão presentes. O horário pode explicar, já que a maioria costuma chegar poucos minutos antes do combinado. O relógio marca 19h50 e o público entra na sala aos montes. A maioria dos lugares são ocupados e a efervescência toma conta do local.

As pessoas presentes ali parecem se conhecer há algum tempo. Logo na primeira ala de cadeiras, à beira do palco, alguns jovens brincam entre si e conversam amigavelmente, mostrando certa intimidade. A direita do salão, alguns casais discretos permanecem sentados, esperando pacientemente. Um grupo de várias senhoras se acomoda no fundo do local. Mãe, pai e um filho, muito jovem por sinal, também aguardam na expectativa.

A jovem senhora, orientadora do grupo dá as boas-vindas a todos os presentes.

__ Boa noite pessoal!
__ Boa noite - responde o público em alto e bom som.
__ Como vai você? - pergunta a orientadora.
__ Cada vez melhor - respondem novamente em uníssono.

A força dessas pessoas é alimentada toda semana por reuniões motivacionais como esta. O Amor Exigente é um programa de auto e mútua ajuda que visa orientar e conscientizar dependentes químicos a transformar o modo de vida. Através de reuniões semanais, os participantes promovem debates e troca de experiências. O grupo conta com a participação de ex-dependentes, dependentes em recuperação, bem como co-dependentes químicos, ou seja, familiares e amigos que convivem diretamente com usuários na ativa.

Após a recepção, um rapaz é convidado a tocar e cantar uma música. Ele se levanta, pega o violão, vai para frente do palco e arrisca os primeiros acordes. Sua voz grave e rouca acompanha a melodia da música. O público fica totalmente em silêncio. O rapaz canta de alma e coração entregues, com humildade presente nos olhos. É um moço simples, sem presunção. Não me lembro ao certo as palavras cantadas, mas me recordo bem que ela falava sobre o poder de Deus. Até os menos religiosos se emocionariam com tamanha interpretação.

No último acorde, o público aplaude ardorosamente. O jovem sorri encabulado e agradece. Todos se levantam, dão as mãos e fazem uma corrente única em prol da oração. O Pai Nosso é a reza inicial que abre a reunião do dia.

Posteriormente, o público é divido em grupos para a partilha. Reunidos em salas separadas, pais, dependentes e ex usuários trocam experiências de vida. Eles contam a dor, a dificuldade, a mágoa, a tristeza, a esperança, a vitória da recuperação.

Às dez horas da noite a partilha se finda. Alguns jovens interagem por um tempo na calçada em frente à igreja, a orientadora agradece pela presença e aos poucos a igreja se esvazia, os carros estacionados na rua não mais estão.

A vida traz oportunidades e escolhas. Essas pessoas se uniram pela fé, esperança e confiança na transformação. Optaram por fazer a diferença. E escolheram acreditar que a vida permite uma segunda chance.   

Texto de Samara Rosenberger

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Os depoimentos de dependentes, pais e ex-dependentes químicos você ouve no documentário abaixo.

Documentário produzido pelo Sexto Semestre de Jornalismo - Universidade Norte do Paraná - UNOPAR

Apresentação e Produção: Mark Campos, Buga de Souza e Samara Rosenberger
Edição: Buga de Souza e Samara Rosenberger
Edição de áudio: Edivaldo Mota
Coordenação geral: Giovana Chiquim

Inocência perdida


A menina faria seis anos de idade no dia seguinte. Sorridente, com a inocência nata da infância, pediu ao pai um presente mais que especial: uma bicicleta. O pai, um velho carrancudo e fiel às tradições morais da família, resistiu, mas acabou cedendo ao desejo da filha.

A loja de artigos infantis estava lotada de brinquedos caros. As bicicletas vinham com adereços dos mais variados tipos, buzinas acopladas, cores femininas ou masculinas, penduricalhos e sininhos atraíam ainda mais os pequenos, porém, não convenciam o velho pai.

Ele resolveu tentar uma loja comum com bicicletas “normais”. Comprou ali mesmo uma simples e discreta de cor vermelha e resolveu seguir o conselho do vendedor – levou consigo duas rodinhas para ajudar na hora de equilibrar a menina em cima do novo brinquedo.

No dia seguinte, a casa estava totalmente decorada com bexigas coloridas e faixas com os desenhos favoritos da garota. A mãe confeitou um bolo de chocolate, o sabor preferido da filha. A felicidade não cabia dentro da criança. De cabelos amarrados dos dois lados com “chuquinhas” cor de rosa e pele angelical, puxou o fôlego e assoprou as seis velas acesas no bolo coberto de brigadeiro.

O pai, durão e com um sorriso discreto, trouxe a bicicleta vermelha acompanhada de um laço branco. Um grito estridente tomou conta da casa, seguido de fortes abraços e beijos molhados, típicos de crianças, claro. Ela passaria as próximas semanas tentando se equilibrar em duas rodas de uma simples bicicleta. Ela passou o ano inteiro andando pelas ruas, tomando ar puro, observando pessoas, distribuindo graça e entusiasmo.

O menino faria seis anos de idade no dia seguinte. Sorridente, ele pede ao pai um presente caro e muito desejado. Ele quer um notebook. O pai, um velho moderno, concorda e vai até uma loja de eletrônicos satisfazer o desejo do filho. A criança entusiasmada recebe o presente e enche o pai de agradecimentos. O menino liga o laptop, conecta à internet e passa a festa inteira navegando na rede. Os pais tentam repreender, porém, sem sucesso. A diversão na frente da tela parece mais interessante.


terça-feira, 15 de novembro de 2011

Tudo seu


O despertador toca. Abro meus olhos e percebo que ao lado só me resta uma parede branca e fria. A textura áspera não combina com a maciez da sua pele. Seus olhos fechados de imensa ternura estão apenas na lembrança.

De nada adianta sair do quarto para evitar o porta-retrato. Seu rosto está em todos os lugares. Vejo suas iniciais nas placas dos carros. O rádio ligado toca a música que você me ensinou a gostar. Lembro-me da roupa que você usava olhando as vitrines da cidade agitada. Os livros que eu li falam de você, porque falam de amor.

Eu não espero por uma ligação, nem ao menos por uma palavra sua. Eu não espero que você me procure, nem que se preocupe comigo. Eu não espero que você volte. Eu não espero, esperando.


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Masturbação feminina é um grande tabu

Olá leitores, tudo bem?
Produzi três matérias sobre masturbação feminina, orgasmo e produtos de sex shop para o webjornal da faculdade, que se chama ComTexto.

Abaixo seguem os links para que vocês possam acessá-las na íntegra.

Masturbação gera autoconhecimento para a mulher
Metade das mulheres têm orgasmo
Produtos de sex shop também são alternativas

Boa leitura!

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Primeira Vez - O sexo como você nunca ouviu

Sabe aquele programa de sexo onde você tira todas as suas dúvidas e ainda se diverte? Pois bem, é só clicar no Play logo abaixo e curtir um programa bacana, descolado e acima de  tudo informativo!
Aproveitem e não esqueçam de comentar!

Programa produzido pelo 6º Semestre de Jornalismo da Universidade Norte do Paraná - UNOPAR

Apresentação: Vitor Struck e Buga de Souza
Repórteres: Mariana Zirondi, Murillo Leal, Giovana Consorte, Samara Rosenberger, Renata Cabrera.
Produção: Renata Cabrera e Aneliza Paiva
Coordenação: Aneliza Paiva
Edição de Áudio: Edivaldo Mota
Orientação: Giovana Chiquim


Primeira vez - O sexo como você nunca ouviu by mumaleal

domingo, 6 de novembro de 2011

Utopia do amor


Novecentos longos quilômetros os separavam. Ao menos um fim de semana ao mês, ele arrumava as malas, aprontava as roupas, reservava a escova de dente e suportava dificilmente doze horas dentro de um ônibus de linha. Para ele, o tempo gasto e o cansaço do corpo não importavam, pois a recompensa viria logo pela manhã.

O final de semana era sempre o mais aguardado. Ele escolhia as melhores camisas, o mais novo perfume, aparava a barba, penteava os cabelos. Ele não costumava ser vaidoso, mas só de pensar em vê-la o ar se renovava, o dia cinza se tornava ensolarado, o sorriso perdido retornava ao rosto.

Chegando ao destino, o lugar parecia impecável, magnífico, completo.

__ Este lugar só pode ser o paraíso, esbravejou o jovem.

As cenas, os movimentos, a natureza, o tempo. A garota vinha em sua direção. Cabelos esvoaçantes e negros. Seu cheiro impregnava o local e adormecia os sentidos. Ela o beijava com ternura e seus olhos brilhavam de imensa alegria. O fim de semana foi regado a bebidas, risadas, conversas, companhia agradável. Familiares e amigos o aceitavam como um filho e ele não poderia desejar outra coisa no mundo.

Doze longas horas o esperavam novamente. De volta à realidade, a semana começou e ela não ligou. Os e-mails dele não eram mais respondidos. Ela entrava em contato brevemente, falava cerca de cinco minutos e dizia que estava muito atarefada. Desculpou-se pela falta de atenção, mas precisava resolver outras coisas. Abatido, o moço apaixonado entristeceu-se com tamanha indiferença.

No outro mês a cena se repetia. Ele enfrentava extensas horas num ônibus, era bem acolhido e o êxtase enchia seu peito de esperança. A viagem parecia uma dose entorpecente. A abstinência o deixava desesperado, alucinado, desalentado. Ela continuava ocupada demais para ele. O romance parecia uma novela exibida uma vez ao mês. Ela apenas não o amava.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Despedida


Quatro horas da manhã, horário local. O aeroporto estava praticamente vazio e pouco se via a não ser alguns funcionários e meia dúzia de passageiros. No check-in, algumas senhoras de idade se dirigiam ao balcão. Cabelos grisalhos, saias compridas até a canela, coque amarrado com grampos. Na fila, uma jovem impaciente aguardava a vez. Vestia um jeans escuro e um agasalho de tamanho grande.  Ela escondia o rosto dentro da gola da blusa, buscando se aquecer naquele frio incomum de uma capital sempre quente e seca. Cruzava os braços, roía as unhas, tremia as mãos e balançava as pernas. Inquieta. Ela não queria voar.

Ao lado da bela jovem, dois homens a acompanhavam. Um deles era mais alto aparentava cerca de quarenta anos, tinha cabelos louro médio e alguns fios discretos acusavam que o tempo passara. Seus olhos sempre agitados e mexilhões, não fitavam um único ponto. Este, o chamarei de senhor. O outro era um homem de no máximo vinte e cinco anos de idade, mais baixo que o primeiro, magro, branco como a nuvem, sobrancelhas grossas e olhar penetrante. Este último, o chamarei de rapaz.

Ao ser atendida, a jovem lançou mão aos documentos, esperando a confirmação do voo. O rapaz gentil levou a mala até a balança, a mesma acusou cerca de doze quilos, e a bagagem estava ok. Os três trocavam algumas palavras, alguns sorrisos. Vez por outra davam risadas mais longas e gargalhavam. O ambiente parecia feliz.

Após o check-in, o senhor, o rapaz e a jovem se dirigiram até a sala de embarque. Um segurança guardava a porta, conferindo a passagem e os documentos. As senhorinhas tomavam sua frente novamente, e a ansiedade da jovem aumentara cada segundo mais. Ela não queria voar.

Chegada sua vez, a jovem precisava se despedir. Entre os dois, escolheu primeiro o senhor, abraçou-o com força, assim como se agarra um pai, agradeceu pela boa hospitalidade, se desculpou por possíveis erros, e sorrindo, tentava disfarçar a tristeza que seus olhos, úmidos, insistiam em indicar. A segunda despedida parecia mais difícil. Olhou discretamente para o rapaz, tentando não encontrar seus olhos com os dele, deu-lhe um abraço rápido. Dizia obrigado sem muito prestar atenção ao que ele dizia. Os olhos dela se fechavam forçosamente e a preocupação em não deixar as lágrimas se escorrerem era maior que a vontade de ouvir as palavras que ele pronunciava.

Ao entrar na sala de embarque, um último olhar selou o adeus. Cabisbaixa, a jovem caminhava vagarosamente pela pista de decolagem. Pensativa. Triste. A velocidade com que dava cada passo era inversamente proporcional à vontade de ficar. Rastejava-se, quebrantada de coração, como se um arame farpado tivesse atravessado seu peito.


Entrou no avião, tomou o seu assento. Ela amava voar, mas não queria. Seu corpo se foi, mas seu coração ali ficou. Adormeceu. 

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Londrina Acontece

Boa noite galera! No dia 13 de outubro deste ano, eu e meu colega de sala, Buga de Souza, gravamos uma pequena edição de notícias no rádio. Vou postar aqui para que vocês conheçam nossas vozes e nosso trabalho.


Londrina Acontece - Buga de Souza e Samara Rosenberger by samararosenberger

domingo, 9 de outubro de 2011

A Rainha do Candomblé


Ela é o centro das atenções. Dança lindamente e é dona da sensualidade. Gosta de ouro e veste coisas caras. Sempre perfumada, encanta todas à sua volta. É considerada a detentora dos poderes sobre o ocultismo, magia e beleza. Deusa do amor e da fertilidade. Assim é Oxum, umas das yabás, orixás femininos, mais populares do panteão afro brasileiro, cultuado no Candomblé.

Dentro na nação ketu, Oxum é a divindade da procriação. Ninguém pode ser fértil, a menos que Oxum queira. Segundo a lenda yorubá, os Orixás se reuniam para tomar decisões sem a participação das mulheres. Com isso, Oxum tirou a fertilidade de todas as mulheres, impedindo a conclusão de planos dos Orixás. Ao se queixarem com Olodumaré, os Orixás descobriram que nada seria realizado se Oxum não participasse das decisões. Ao ser convidada para as reuniões, Oxum permitiu que as mulheres voltassem a engravidar e os empreendimentos da nação foram alcançados. Portanto, Oxum é frequentemente aclamada por mulheres que desejam ter filhos. Elas fazem seus pedidos através de ofertas e presentes, que podem ser apresentados aos lugares que essa yabá tem domínio, como cachoeiras e rios.

Porém, Oxum também possui atributos negativos. Tem uma personalidade difícil, são ciumentas, autoritárias, teimosas, dramáticas, chantagistas e orgulhosas. Os filhos de Oxum são mulheres, na sua maioria. Possuem graciosidade, meiguice e beleza. Gostam de roupas e joias caras. São pessoas afetuosas, divertidas e persistentes. Quando querem alcançar um objetivo não desistem até conseguir. As mulheres filhas de Oxum são encantadoras e sábias. Outro traço da personalidade dos filhos deste Orixá é a sensibilidade. São sentimentais ao extremo, gostam de fofoca e adoram dar palpites sobre assuntos alheios. Por outro lado, tem persuasão e inteligência.

Para aqueles que desejam fazer oferendas a Oxum, o melhor dia é sábado. Esta divindade bela veste dourado, representando o ouro. Está presente em todas as águas doces. Sua saudação é dita em yorubá por "Ore yeye o"!

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Um dia de domingo

Era primavera, mas os dias pareciam não corresponder à estação das flores. Ontem, porém, o dia amanheceu tranquilo e ensolarado. Abri os olhos e avistei pela janela os majestosos raios de sol. Os feixes de luz entravam pela persiana entreaberta e iluminavam o quarto escuro. A vontade de virar de um lado para o outro, aproveitando o calor aconchegante do edredom não cabia dentro de mim. Era domingo.

As manhãs de domingo não tem sido como outrora. Os pais se sentavam a mesa e chamavam os filhos, rezavam uma benção sobre o alimento e juntos desfrutavam alegremente o banquete farto, comum nos finais de semana. Hoje acordo e ligo a TV, enquanto meu pai berra estridentemente pelo almoço.

Era domingo e excepcionalmente, não fiquei em casa. Para onde eu fui, tive que usar um mapa. Não é muito longe de casa, mas precisei percorrer alguns quilômetros. Sair de uma cidade pacata e vazia como a minha já virou rotina. Entrei no carro e coloquei o cinto de segurança. Bolsa, dinheiro e documentos.

Após cerca de quarenta minutos, cheguei ao destino. Ao redor do prédio várias árvores adornavam o local, trazendo um cheiro refrescante de mato e um som delicioso do cantar dos pássaros. O lugar tinha uma churrasqueira discreta, mas suficiente. Aos poucos, as pessoas chegavam. Alguns amigos, outros apenas conhecidos. Eles falavam de estudos, futebol, música, filmes, amores. Sentada em uma cadeira de bar, feita de ferro e pintada com tinta branca, observei cada gesto, sorriso e reação.

No meio do dia, avistei longe um menininho andando nos arredores do condomínio. Ele tinha cabelos lindos e viscosos, que brilhavam com a luz do sol. Uma textura escura, típica de descendentes orientais. Vestia camisetinha listrada e uma bermudinha ocre. O cabelo cortado em formato de tigela dava perfeição ao conjunto. O pequeno não deveria ter mais de três anos de idade. Ria descontroladamente e caminhava com uma graciosidade jamais vista. Olhei e sorri.

Parei por um momento, intacta. Meus olhos miravam o nada. Percebi que tinha ao meu redor amigos especiais, que faziam toda a diferença só por estar ali. Notei que não era preciso dizer nada, apenas estar ao meu lado. Entendi que um lindo dia ensolarado, um almoço com amigos e conversas jogadas fora dão sentido às coisas simples da vida. O dia começava a valer a pena. Era domingo.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Sementes da sorte


O corpo pede água, luz, ventilação. Entro por uma porta estreita que me leva a um longo corredor. Parece um beco escuro. Ao final dele, um balcão velho de madeira serve como bar. Um senhor sentado, ajeita as cartelas, pede uma coca de 250 ml, ou seria 200 ml? Não me lembro. As pessoas entram e saem constantemente.

O corredor, enfim dá em um grande e amplo salão, repleto de cadeiras e mesas plásticas. Olho ao redor, senhoras comuns, de cinquenta a setenta anos se acomodando nos devidos lugares. Senhores também participam. Claro, elas são em maioria. Sempre. Escolho uma mesa, e ao meu lado uma nobre senhorinha sorri. Cabelos grisalhos, um par de óculos novo por sinal, uma blusa de linha vermelha acompanhado de um batom da mesma cor. Vaidosa eu diria. Peço permissão para me sentar ao lado e ela sorri novamente. É um sim, creio.

São 13h50min de uma tarde de sábado. O calor chega a ser desesperador. Pequenos e escassos ventiladores tentam refrigerar o local, mas sem sucesso. As pessoas se dirigem ao centro do palco e escolhem as cartelas. Cada uma com sua intuição, gosto, mania. Dezenas de pequenos potes com grãos, à beira do palco, servem como marcação dos números que saem no sorteio.

Dirijo-me até lá e escolho minhas cartelas aleatoriamente. Pego meu pote de grãos, me sento e começo a observá-los. Grãos do que? São redondinhos, achatados nas extremidades. Não é feijão, lentilha, milho, nada do tipo. Ainda vou descobrir. Volto a minha mesa, e a nobre senhorinha continua lá, Sentada, sorrindo, desta vez, conversando com as amigas. Elas falam do clima, do calor, da chuva de granizo da semana passada que destelhou várias casas e deixou moradores desabrigados. O mundo está de ponta cabeça, afirma uma delas.

O relógio bate, e são pontualmente duas horas da tarde. O jogo começa. Ao centro, um homem viril, com cerca de trinta anos de idade canta as bolas sorteadas. O ambiente é tomado pelo silêncio. Nada se ouve, a não ser o barulho dos ventiladores velhos de parede, e a voz do homem sentado no palco. Não se pode perder nenhuma bola sequer.

O jogo funciona com a primeira rodada gratuita. Estimula os participantes a jogar as posteriores. O prêmio final é de duzentos reais, premiando linhas por três vezes. Concentrados, os jogadores se empolgam a cada número sorteado. Linha, uma, duas, três vezes. Vai sair o bingo. Imagina levar uma bolada dessas? Pergunta a nobre senhorinha para mim. Dá uma boa ajuda, né? Eu sorrio e concordo com a cabeça. No fundo do salão, ouve-se o grito: Bingo! Sai o primeiro prêmio do dia.

A rotina dessas pessoas se resume a isso. Todos os dias. A nobre senhorinha de nome Marlene, passa as tardes no bingo jogando e apostando com suas amigas e amigos. As emoções das jogadas, a ansiedade dos números para bater a cartela.
Às 18 horas o bingo se finda, os jogadores saem, devolvem ao palco as cartelas. Os potes de grãos nos devidos lugares. Elas se despedem. Eles também.
Dona Marlene não levou nenhum prêmio nesta tarde. Sai cabisbaixa, lamentando por não ter ganhado nada. Balbucia e resmunga baixinho, e sai falando as paredes. Ela ficou três vezes por um número.

No dia seguinte, começa tudo outra vez. Às 14 horas, na porta estreita, no beco escuro. Cadeiras de plásticos, senhoras e senhores. Ventiladores velhos, cartelas usadas. Ah, e grãos, ou melhor, sementes de tremoços.
Crédito da imagem: http://emanoelviana.blogspot.com